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  • Foto do escritorHeli Gonçalves Moreira

O Trabalho em Turnos - Em Cinco Capítulos

O estudo do tema trabalho em turnos é tedioso, mas fascinante, pois nos obriga viajar e conhecer em detalhes o ambiente de trabalho, um patrimônio técnico e cultural muitas vezes negligenciado pelas empresas. Conhece-lo nos permite detectar obstáculos, encontrar e criar oportunidades para torna-lo mais sinérgico entre as forças que o compõe, mais saudável e seguro para aqueles que nele convivem e, em especial, mais produtivo para quem o dirige.



O trabalho em turnos representa uma das principais dores de cabeça para as empresas em geral e, em especial, para as indústrias brasileiras.


A produtividade, base para a competitividade, é impactada diretamente pela forma como os regimes, escalas, jornadas e horários de trabalho e descanso são organizados, tendo em conta que a maioria das indústrias operam em regime de turnos, visando aproveitar de forma plena sua capacidade instalada em termos de tecnologia, máquinas e equipamentos.


Além da competência e da qualidade da gestão do ambiente de trabalho saudável e produtivo, para que os empregados se engajem na busca permanente da produtividade, as empresas devem estar permanentemente atentas e preocupadas com as normas legais e com a forma como as suas práticas do cotidiano são fiscalizadas, interpretadas e julgadas quando de denúncias, fiscalizações e processos trabalhistas.

Os empregados, por sua vez, têm suas vidas profissionais, pessoais e familiares impactadas diretamente pela forma com o trabalho em turnos é organizado.


Os sindicatos laborais têm se mostrado pouco sensibilizados com os impactos do trabalho em turnos sobre a produtividade e competitividade das empresas, bem como sobre a qualidade de vida dos empregados.


A gestão e controle do trabalho em turnos é responsabilidade de todos os envolvidos, competindo aos profissionais das áreas de Recursos Humanos, Relações Trabalhistas e Sindicais e Jurídico das empresas, a coordenação dos esforços para o aprimoramento da sua gestão, incluindo as oportunidades proporcionadas pela reforma da legislação do trabalho e pela introdução do eSocial.


Para tanto se faz necessária uma visão ampliada e abrangente do tema:

I. Visão das Áreas Operacionais

II. Visão dos Empregados

III. Visão Sindical

IV. Visão das Áreas de Apoio – RH, RTS, SESMT, Jurídico

V. Conclusões e Soluções

 
I. Visão das Áreas Operacionais

A equação que conduz à produtividade industrial envolve, pelo menos, um conjunto de 10 fatores distintos e, quase sempre, conflitantes, como:

  1. Atendimento às demandas e exigências do mercado.

  2. Sazonalidades (matérias primas, mercado, insumos) previsíveis e imprevisíveis.

  3. Fatores externos sem controle das empresas – ex.: greve dos caminhoneiros.

  4. Garantia da qualidade dos produtos e serviços.

  5. Controle dos custos operacionais e administrativos.

  6. Garantia da saúde e segurança das pessoas.

  7. Desejos e expectativas dos empregados.

  8. Ideologia e formas de atuação dos representantes sindicais.

  9. Atendimento à legislação trabalhista, às fiscalizações do MTE e do MPT.

  10. Prevenção de passivos trabalhistas e previdenciários.

O grande desafio dos gestores operacionais consiste em produzir mais com menos, premissa que tem como fator fundamental o Tempo, o bem mais precioso para quem busca a produtividade.


O fator Tempo está intrinsecamente ligado à forma como o trabalho está organizado, em especial, ao modelo do regime de trabalho em turnos adotado pela empresa. Esse, por sua vez, impacta e é impactado diretamente pela maior parte dos fatores da equação da produtividade, citados anteriormente.


Nos regimes de trabalho ininterrupto, os acionistas esperam de seus diretores e gestores operacionais o maior aproveitamento possível de seus investimentos em relação ao Tempo disponível para produzir. Tomando-se como exemplo, a perda de apenas 15 minutos por turno pode implicar numa redução irrecuperável de mais de 3% da produção.


Em pesquisas realizadas em Workshop sobre o tema constatamos que o Trabalho em Turnos é uma das fontes de perda de Tempo produtivo das indústrias mais citadas pelos participantes, conforme se observa no quadro a seguir:

Os gestores das áreas operacionais esperam e cobram das áreas de apoio (RH, RTS, Segurança e Medicina, Jurídico) modelos de regimes de trabalho em turnos que contemplem a flexibilidade necessária para alcançar as suas metas de produtividade.

 
II. Visão dos Empregados

Trabalhar em turnos é realmente uma rotina extenuante, sem fim. Só quem trabalha ou trabalhou sabe exatamente como é. Isso traz conseqüências.


Mais cedo ou mais tarde você, gestor de RH, de Produção ou de Manutenção, poderá ser surpreendido com esse “pepino”, os colaboradores não querendo mais esse tipo de rotina estressante ou, pelo menos, exigindo mudanças mitigadoras.


Ao buscar no Google o termo “trabalho em turnos” se percebe que a quase totalidade dos artigos se referem aos prejuízos à saúde física, mental e emocional daqueles que trabalham nesse modelo.


Afinal, o que mais incomoda os “empregados de turno”?


Nossa experiência e conhecimento acumulado, há mais de trinta anos ajudando empresas na busca de soluções para esse tipo de problema, nos habilita afirmar as principais causas de insatisfação e, muitas vezes, angústia por trabalhar em regimes de turnos, sejam eles de revezamento ou horários fixos:

  • Falta de finais de semana livres, especialmente aos domingos, para conviver e desfrutar com a família e com os amigos.

  • Excesso de dias consecutivos de trabalho no período noturno.

  • Falta de “folgões” que possibilitem “recarregar as baterias”.

  • Trabalho no turno vespertino, o qual implica na “perda” do chamado horário nobre (happy hour, festas, comemorações etc.).

  • Mudanças de modelos de regime de trabalho, que implicam em dificuldades de adaptação da sua vida profissional, pessoal e familiar à nova condição:

o De revezamento para horários fixos ou o contrário.

o De trabalho interrupto (cinco ou seis dias por semana com folgas aos sábados e/ou domingos) para ininterrupto (sete dias por semana, com folgas variáveis e coincidentes com os domingos a cada sete semanas).

  • Falta de opções de modelos de escalas para que possam, pelo menos, conhecer, analisar, avaliar e, de alguma forma, participar da sua escolha.

Os empregados estão, ainda de forma lenta, tomando conhecimento sobre alguns itens da reforma trabalhista que lhes interessam mais de perto como:

  • Redução do intervalo para refeição de 60 para 30 minutos, o que lhes permitiria ‘‘chegar mais cedo em casa’’.

  • Escala de 12 horas, o que possibilitaria trabalhar apenas 183 dias por ano, uma média de 3,5 dias por semana.

  • Parcelamento de férias em até 3 vezes, abrindo mais opções para o seu planejamento pessoal e familiar.

 
III. Visão Sindical

Os sindicatos das categorias profissionais ligadas aos diferentes ramos de atividades, favorecidos ora pela rigidez, ora pela ambiguidade da legislação trabalhista, firmaram ao longo dos últimos trinta anos, posicionamentos e premissas que se transformaram em verdadeiros tabus, totalmente antagônicos à realidade e às necessidades das empresas, caminhando na direção contrária da busca pela produtividade.


Alguns exemplos de impedimentos interpostos pelos sindicatos:

 

1. O melhor regime para o trabalho ininterrupto é o de revezamento, que estabelece uma jornada diária máxima de 06 horas.


Para o cumprimento desse modelo de regime de trabalho a empresa tem que contratar mais uma equipe de trabalho, equivalente ao aumento de 25% do seu efetivo de pessoal.


Se preferir trabalhar no regime de revezamento com jornada de 08 diárias, poderá fazê-lo mediante acordo coletivo firmado com o sindicato da categoria profissional e, para tanto, deverá oferecer uma contrapartida pecuniária a título de Adicional de Turno, negociável, geralmente com acréscimo, a cada renovação do acordo anual ou bienal.

Esse conceito e prática não foi impactado pela reforma trabalhista.

 

2. Os intervalos para refeição e descanso deverão ser de 60 minutos, não sendo permitida a sua redução, contrariando a própria legislação que prevê esse tipo de ajuste mediante determinadas condições.


Corroborado pela edição da Súmula 437/12, esse posicionamento implicou num expressivo passivo trabalhista para quase todas empresas que praticavam a redução.

A reforma trabalhista flexibilizou esse entendimento por meio dos Artigos 71 e 611A da CLT. Entretanto, esse procedimento ainda está sujeito às interpretações do MPT e da JT, razão pela qual se deve ter cautela na sua adoção.

 

3. A concessão de folga coincidente com o domingo deve ser de uma a cada três semanas.


Em julho de 2015, ocasião em que o Ministério do Trabalho era comandado/influenciado por sindicalistas, esse conceito foi firmado através da Portaria 945, obviamente com um propósito definido, pois a única escala de trabalho que possibilita essa condição é o modelo 6x4, mais conhecida como Escala Francesa, que requer a contratação de mais uma equipe de trabalho (25%), onde a jornada média semanal não alcança 30 horas. Uma forma indireta de redução de jornada.

 

4. O famigerado banco de horas previsto no artigo 59 da CLT foi regulamentado no Governo Fernando Henrique prevendo a sua adoção por acordo coletivo.


Essa flexibilização nunca funcionou, de fato, para a maioria das empresas em razão da rejeição absoluta por parte da maioria dos sindicatos laborais.


A reforma trabalhista ampliou as possibilidades para sua adoção, sendo que as duas primeiras independem da participação dos sindicatos, sobre as quais certamente se posicionarão contrários:

1) Acordo individual tácito para compensações no mesmo mês.

2) Acordo individual escrito para compensações em até seis meses.

3) Acordo ou Convenção Coletiva para compensações em até um ano.

 

Num primeiro momento os sindicatos estão preocupados quase que exclusivamente com suas sobrevivências em razão da extinção da contribuição sindical compulsória, inclusive se recusando assinar acordos coletivos por conta disso.


Tão logo esse problema seja equacionado os sindicatos voltarão seus focos de atuação para a recuperação de suas moedas de troca, muitas delas relacionadas aos regimes de trabalho em turnos, haja vista a importância que representam para os trabalhadores.

 
IV. Visão das Áreas de Apoio – RH, RTS, SESMT, Jurídico

As principais fontes de preocupação das áreas de Apoio (Recursos Humanos, Relações Trabalhistas e Sindicais, Segurança e Medicina do Trabalho e Jurídico) das empresas, relacionadas ao trabalho em turnos se dividem em quatro grupos:

  1. Demandas operacionais da produção versus cumprimento de intervalos inter e intrajornadas, preservação da saúde e segurança dos empregados.

  2. Reivindicações dos empregados e sindicatos profissionais, negociações e acordos coletivos.

  3. Excessos de jornadas, gestão de horas extras, trabalhos em finais de semana.

  4. Passivos trabalhistas e previdenciários reais ou potenciais, fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho.

Essas preocupações tomaram contornos diferentes e desafiantes com a reforma trabalhista e com a implantação do eSocial.


De um lado, a reforma trabalhista apresenta uma série de indefinições jurídicas sobre o que pode e o que não pode ser, de fato, implementado de imediato. Vários itens da reforma, que dizem respeito diretamente aos regimes de trabalho como redução do intervalo para refeições, escala de 12 horas, trabalho intermitente etc., são de interesse direto dos gestores operacionais, tanto que já começaram a cobrar estudos e/ou providências das áreas de RH para sua implementação ou esclarecimentos a respeito.


Com a retomada, ainda tímida, do crescimento da economia, as empresas estão aumentando sua produção à custa de horas extras, uma vez que reduziram seus efetivos de pessoal e ainda não têm segurança da continuidade do aumento da demanda de seus produtos.

Muitos casos de regularização dessa situação dependem, entre outras providências, da retomada de regimes ininterruptos de trabalho, que por sua vez pode exigir negociação com os sindicatos, os quais estão demonstrando pouca vontade e colocando como moeda de troca o desconto da contribuição sindical decidida em assembléia, prática vetada pela reforma trabalhista e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.


Em pesquisas realizadas em workshops sobre o tema se observa as principais fontes de passivos trabalhistas das indústrias, relacionadas aos regimes de trabalho em turnos, mais citadas pelos participantes:

O eSocial, em fase de implantação, está exigindo um grande esforço das áreas de RH das empresas no sentido de adequar as normas e procedimentos legais às práticas do cotidiano das relações no trabalho.


Esses ajustes implicam na sensibilização e capacitação dos gestores operacionais para um novo olhar sobre a organização do trabalho no cotidiano, sob pena de pesadas multas decorrentes das não conformidades detectadas pelo eSocial, como:

  • Cumprimento rigoroso dos horários e jornadas diárias de trabalho.

  • Obediência aos limitadores legais como: intervalos intra e inter jornadas diárias e semanais.

  • Respeito às folgas e às férias dos empregados.

  • Garantia de que os empregados estão executando as funções para as quais foi contratado e de acordo com o cadastro informado ao eSocial. A não observância desse quesito, no caso da ocorrência de acidentes graves e/ou fatais, implica em responsabilidades civil e criminal.

 
V. Conclusões e Soluções

As empresas brasileiras vivem um momento ímpar no campo das relações trabalhistas e sindicais propiciado por dois fatos recentes: a reforma trabalhista e a implantação do eSocial.


A simultaneidade essas ocorrências representa uma excelente oportunidade para um novo ciclo das relações entre o capital e o trabalho, tendo como vetor principal a iniciativa das empresas e a coparticipação dos demais órgãos da sociedade como: entidades sindicais, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Previdência Social.


A base dessas relações está localizada no ambiente de trabalho, local onde tudo de bom e de ruim acontece diariamente.


Esse novo ciclo das relações entre o capital e o trabalho requer um novo olhar sobre o ambiente de trabalho.

Uma forma prática de se olhar o ambiente de trabalho é através de lentes específicas capazes de enxergar os detalhes das nove características que o compõem e o impactam diretamente.

O trabalho em turnos, objeto desse artigo, é um desses detalhes, inserido na lente 2. Organização e Condições de Trabalho.


As diferentes percepções sobre o trabalho em turnos, citadas nos capítulos anteriores, convivem num estado permanente de indecisões de gestão e conflitos internos e externos e seriam retratadas mais ou menos assim:

As soluções para essa situação de alta complexidade e impacto na vida organizacional devem fazer parte de um Estudo Técnico, que contemple minimamente os seguintes aspectos:

  • Produtividade e competitividade da empresa.

  • A qualidade de vida profissional, pessoal e familiar dos empregados.

  • A gestão do ambiente de trabalho.

  • A prevenção e redução de passivos trabalhistas e previdenciários.

Considerando os inúmeros e diferentes aspectos envolvidos, o Estudo Técnico deverá ser conduzido como um projeto tendo como focos a identificação de vulnerabilidades e oportunidades.


Os gestores e profissionais das áreas envolvidas (Operacional, Recursos Humanos, Relações Trabalhistas e Sindicais, Jurídico, Segurança e Medicina do Trabalho) devem constituir uma Equipe Multifuncional com essa finalidade. O desenvolvimento do Estudo Técnico, como um projeto, deve seguir uma metodologia de análise.


O quadro abaixo retrata:

  • Os diferentes aspectos envolvidos a serem analisados numa primeira abordagem, de forma particular e, na seqüência, no seu conjunto.

  • A forma esquemática dessa disciplina metodológica, onde se observa suas bases de sustentação: Produtividade, Saúde e Segurança.

Além do conhecimento e competência, para fazer acontecer um projeto dessa importância, são necessárias três atitudes fundamentais:


Fazer Diferente

Mudando atitudes, nossas e dos demais.


Fazer Melhor

Fazer melhor do que antes e melhor do que os outros.


Fazer Juntos

Com os Empregados - sempre

Com os Sindicatos – sempre que houver interesse e disposição

Sem os Sindicatos – se não houver interesse e disposição

Apesar dos Sindicatos – se houver oposição e/ou radicalização


Heli Gonçalves Moreira

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