“Saber Ouvir é permitir às pessoas dividir insatisfações, dúvidas, angústias e alegrias e representa um dos principais fatores que agregam felicidade no trabalho”.
O sistema auditivo, como os demais sistemas similares, é de uma complexidade tal, que tem exigido do ser humano, ao longo de sua existência, elevados esforços e investimentos para desvendá-lo. Entre as sabedorias populares mais conhecidas para justificar nosso sistema formado por dois ouvidos, duas se destacam:
para o mais afoito ouvir mais e falar menos, pois possui apenas uma boca;
para o mais desatento, pois o que ouve entra por um e sai pelo outro ouvido.
Brincadeiras e sabedorias à parte, com tantos estudos avançados a respeito, como se explicam os permanentes desacertos e desajustes decorrentes dos relacionamentos entre pessoas?
Tenho certeza que todos concordam sobre quantos problemas e conflitos teriam sido evitados se as pessoas se dedicassem mais em praticar o saber ouvir. Por que então as pessoas não o praticam?
A análise de duas situações talvez nos ajude a explicar o fenômeno.
A primeira, ocorrida há muitos anos, envolve o Seu Lulu, já falecido, mineiro típico, tranquilo e da paz e a Dona Rosinha, paulista do interior, também falecida, extremamente ativa, incisiva em suas colocações e apressada como só ela.
O Seu Lulu, portador, de longa data, de uma deficiência auditiva, usava em um dos ouvidos um aparelho, já que o outro estava seriamente comprometido.
Certa vez, sentados à sala de sua residência, recepcionando alguns amigos, Dona Rosinha desandou a falar das “qualidades” do Seu Lulu, comentando sobre a sua capacidade em ouvir uma transmissão radiofônica, ainda que distante e em baixo volume, de algum jogo do Palmeiras ou do Vasco, times de sua preferência.
Ao mesmo tempo ressaltava a sua total incapacidade de ouvi-la, mesmo de perto, de forma direta e em tom elevado, quando lhe falava sobre algo que não o interessava. Logo no início, percebendo o rumo da conversa, Seu Lulu, disfarçadamente, levou a mão ao ouvido e desligou o aparelho, deixando disponível apenas o ouvido comprometido. Sempre ligada em tudo, Dona Rosinha observou o lance e, ao final de sua eloquente exposição, pediu a confirmação: é ou não é Lulu?
Para espanto dos amigos, que ouviam atentamente Dona Rosinha, o Seu Lulu fez uma cara como se o assunto não fosse com ele ou como se não estivesse presente. Incontinenti, Dona Rosinha obrigou-o a ligar o aparelho, repetindo tudo o que havia dito até então, obviamente com mais veemência.
A segunda, ocorrida recentemente, indica que a técnica do Seu Lulu tem chances de perpetuar, pois ganhou um adepto de grande notoriedade, o Presidente Lula. Habituado a realizar discurso em qualquer oportunidade, em alguns eventos públicos não tem sido muito feliz, como no caso dos Jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro, ocasião em que recebeu uma sonora vaia, desestimulando-o de realizar a abertura oficial em nome do Brasil, um fiasco internacional.
Justificando sua atitude, disse em entrevista a alguns jornalistas que ...utilizava uma das orelhas para escutar vaias e a outra para escutar aplausos... O Lula, a exemplo do Seu Lulu, também faz ouvidos moucos ou de mercador, se valendo habilmente da sua formação anatômica para não ouvir o que não interessa.
Já pensou se a moda pega? Não tendo mais com quem falar sobre nossos problemas, pois teremos somente ouvidos defeituosos para nos ouvir, estaremos destinados a viver num mundo de surdos e mudos. E o que fazer? Uma solução talvez seja ampliar a rede CVV – Centro de Valorização da Vida.
Neste caso, será que haverá atendentes preparados(as) para ouvir tanta gente? No mundo empresarial a situação não parece muito distinta, especificamente quanto ao Líder Interno das empresas, aquele que lidera diretamente pessoas. Criado para ser solução para uma quantidade infindável de desvios e problemas que assolam o cotidiano das relações no trabalho, nem sempre corresponde às expectativas.
O suposto Líder, por não estar preparado e/ou tentando ser “esperto” como o Seu Lulu e o Lula, utiliza o ouvido deficiente para ouvir as queixas, reclamações, incômodos e até mesmo sugestões e contribuições dos seus supostos liderados. Convenhamos, tarimba como a do Seu Lulu e do Lula, além do carisma que lhes é natural, somente se adquire com mais de 60 anos de casamento feliz, no primeiro caso e com inúmeras tentativas eleitorais e mais de cinco anos de gestão de um País continente, no segundo.
As consequências de uma atuação de Líder que não sabe ouvir, obviamente são desastrosas. Este problema já se tornou crônico nas organizações porque não há consciência do fato por parte dos envolvidos.
Repetidas vezes, em contato com grupos de Líderes internos de diferentes empresas, quando questiono se sabem ouvir, a resposta invariavelmente é positiva. Na verdade, o que estes Líderes, na maioria das vezes respondem é que sabem “escutar”, que é apenas o componente mecânico do processo do saber ouvir.
Saber ouvir é uma competência nobre e maior, necessárias para aqueles que se dispõem ser Líderes, conduzindo pessoas, os liderados, para a consecução dos objetivos e metas planejadas. Apesar de eficaz no curto prazo, o uso da autocracia, ou seja, falando mais e ouvindo menos, é uma forma não inteligente de se liderar pois apresenta poucos resultados, tanto em qualidade quanto em sustentabilidade. Poucas e simples são as atitudes requeridas de um bom Líder:
Ouvir os liderados, com visível interesse, criando e aproveitando oportunidades;
Anotar, como forma de demonstração de respeito aos liderados;
Assumir o seu papel de Líder, pois enquanto o liderado tem um problema, a equipe sofrerá seus reflexos;
Analisar os dados e fatos, formulando soluções criativas;
Decidir por uma das soluções; e
informar e convencer os liderados na direção dos interesses da empresa.
Estas seis atitudes conduzem aos três comportamentos assertivos básicos, fundamentais da competência de um Líder eficaz e participativo: Assumir, Decidir e Comunicar. Coincidentes na letra inicial dos nomes dos seus protagonistas principais, as três histórias apresentam diferentes finais.
As consequências para o Seu Lulu foram inofensivas e até certo ponto fortalecedoras de uma relação que perdurou por longos e felizes anos de vida conjugal e familiar. Para o Lula que, incrivelmente continua com a popularidade em alta, as consequências podem ser danosas no médio prazo, pois uma parcela da população, cansada de desmandos, poderá aumentar o volume e a forma das demonstrações de descontentamento, tentando superar as barreiras do saber ouvir do seu Presidente.
Para o suposto Líder, no curto prazo o desrespeito e a desconfiança dos liderados, requisitos implícitos para um relacionamento saudável e produtivo. No médio prazo, que está logo aí, poderá lhes custar o emprego, considerando que empresa alguma neste Brasil está disposta a ver parte dos seus lucros “indo para o ralo”, pela incompetência dos seus Líderes. Afinal, as empresas os pagam para resolver e não para criar problemas.
Notas do Autor:
Se conseguir ler o artigo até o final, envie críticas e sugestões.
Seu Lulu, já falecido e Dona Rosinha, são os pais do autor.
As caricaturas do premiado cartunista Xavier refletem, com fidelidade e de forma carinhosa, as reais expressões dos personagens.
Este artigo complementa, via dinâmica específica, o programa de treinamento do inédito Modelo HGM de Gestão de Pessoas – Ciclos do Diálogo, módulo Saber Ouvir.
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